Existe um momento em que, despercebidamente, paramos nossos afazeres e nossos olhos (as janelas da alma) se fixam em um ponto qualquer. É o momento em que os pensamentos assumem o controle e nossa mente começa a desenhar diante dos olhos a lembrança de fatos, lugares, circunstâncias ou pessoas. Às vezes, essa lembrança cria em nós temores, outras vezes nos induz a sorrir discretamente, e em outras, somos tomados por uma estranha “saudade do que ainda não foi”. A alma - que possui o registro de tudo o que somos pelas sucessivas vidas de forma aglutinada neste corpo - então, começa a assumir o controle. Esse momento que nos remete da dureza do presente para a suavidade de um passado gracioso, sorrateiramente, começa a nos transportar para uma espécie de futuro de possibilidades, onde nossos pensamentos viajam por cenas como aquelas dos filmes em que a câmera se fixa no olhar do personagem enquanto, em segundo plano, ele vive as experiências mágicas das conexões com o outro – seja do que foi, ou do que gostaria que fosse.
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Quantas não são as vezes em que nos conectamos com o outro sem nem ao menos percebermos que estamos “on line” no pensamento? Falamos mentalmente com as pessoas, proferimos discursos belíssimos no pensamento, fazemos declarações de ódio ou de amor (prefiro as de amor) supondo como seria se aquelas palavras fossem ouvidas pelo outro, ensaiamos a confabulação mais intensa simulando como seria se tudo aquilo fosse dito, ou melhor, se tudo aquilo fosse ouvido pelo outro, sem nos darmos conta que, de algum modo, e por algum motivo inalcançável à inteligência dos céticos, o outro recebe aquela mensagem na alma.
As almas mais sensíveis sabem: a sonoridade das palavras é apenas um elemento coadjuvante. O coração sente. O ódio ou o amor que envolve as criaturas (e eu prefiro o amor) se faz entender pela sua simples existência. Você já se deparou consigo mesmo(a) exercitando discursos que nunca conseguiram ser reproduzidos “na hora H” com a fidelidade das palavras ditas na “preparação”? Mas você já se deu conta que muitas vezes não é necessário que nada seja reproduzido porque a mensagem inicial foi assimilada mesmo quando você pensou estar só com seus pensamentos ensaiando o momento? O fato é que dependendo “do que” e “para quem”, as palavras do “ensaio” já foram percebidas e recebidas pelo destinatário com uma clareza que só perde para os discursos mais eloquentes e objetivos.
No momento em que nossos olhos se fixam naquele ponto qualquer e nossa mente começa a desenhar enredos de passado, presente e futuro, nossa energia emite ao universo o maior de todos os chamados: o da alma, que sem explicação aparente, ou motivo humanamente justificável dentro dos convencionalismos sociais, faz ecoar pelo cosmo os silenciosos gritos de dor ou de amor (e eu prefiro os de amor) que não conhecem distâncias, e muito menos barreiras físicas, e sempre, invariavelmente e independentemente de qualquer nível de crença, chegam até o outro.
Coração conversa com coração. A verbalização é apenas o aval para o gesto de repudio ou de aconchego (e eu prefiro o aconchego) que por um motivo “misteriosamente óbvio” faz com que você “pré-viva” todas as emoções daquele contato, antes mesmo que ele aconteça de fato. E se vai acontecer ou não, pouco importa – embora importe. Mas o que faz mesmo a diferença é saber que quando você se conecta ao coração do outro, olhar no olho e se fazer ouvir com a voz, é apenas uma forma de registrar na história aquilo que os corações já sentiram, seja um manifesto de violência ou de amor (e eu prefiro os de amor).
As almas se conhecem e conversam entre si. E aquilo que você emite, invariavelmente chegará ao outro. Um tapa na face, ou um abraço interminável, são apenas formas de nos certificarmos conscientemente de algo que no plano astral, já se manifestou. Sua violência tresloucada ou sua inexplicável sensação de simpatia vai envolver o outro. Talvez ele tenha menos sensibilidade para perceber, talvez tenha mais, mas independente disso, o espírito sempre saberá perceber aquilo que as palavras não conseguirem – ou não puderem – verbalizar.
Eis o mistério mais belo dos encontros e reencontros: quem os vive, os sente, sem precisarem de “provas”.
Autor: Antony Valentim